Paulo Santos
31/05/2024
Não gosto de escrever sobre algo pré-definido. (Diria detesto...mas como o mundo anda obtusamente sensível, opto por usar de palavras mais doces e digo:“não gosto”). Prefiro, sempre, soltar a âncora e ver onde me levam as águas. Mas sem querer, um destes dias passados, sem que possuísse máquina do tempo ou quaisquer equação para a relatividade das viagens espaço-temporais, acabei nos anos oitenta, prolongados aos noventa, do século passado. Essa é a pré-definição que aqui me traz (pois logo nesse mesmo dia escrevinhei estas letras. O Hugo pode confirmar...).
Conforme reparam não uso da malha rendada, da terna seda literária, que define os meus carateres, preferindo trajar, integralmente, quem eu era nesses dias. Um ser à procura de si próprio, do seu caminho, que “curtia” “vanguarda e som da frente”, rock português e Pink Floyd, não se preocupando rigorosamente nada com recursos estilísticos ou “cândidas” maresias poéticas.
Adiante! Um casal amigo convidou-me a estar presente numa rambóia (que logo aceitei), dedicada aos anos oitenta/noventa (uma “revival party” para os Millennials) que se ia realizar em terras de Aguiar. Tratei de reunir a “tropa”! Para batalhas destas contra o tempo (e contra a máquina de finos) nunca se deve ir só! A “união faz a força”, mais é mais, e alguém tem que trazer o carro! Porém, azar dos Távoras, assuntos de adultos e lombalgias no corpo, impediram grande parte do meu esquadrão de se juntar na parada. Por isso, rumo á “desbunda”, segui eu e a minha digníssima namorada acompanhados da “Janis Joplin” da travessa Lima Barreto (é fofinho Toricha... não sejas má...).
Um dia antes fui ao sótão vasculhar as caixas de roupa, meticulosamente arrumadas, à procura de adereços. Se as gastas “501” já não me serviam, a um canto, á procura de redenção, as velhas “Texanas” sorriram-me! Metade do “look” estava encontrado! O resto resumiu-se a uma novíssima T-shirt dos “Nirvana” (que “larapiei” do armário do meu filho e me remeteu, no romper dos anos noventa, á fase” grunge” da minha vida) e umas Levi´s , agora, modelo 534 .
Confesso que ao chegar a Vila Pouca, ter sido recebido pela minha querida amiga em fato de treino me pôs em sobressalto. Aquele “style” de betinha do liceu em manhã da sábado, mais Beverly Hills que Miami Vice, lembrou-me o quanto eu não apreciava (outra vez a ser fofo) esses grupos. O dos “betos”. Mas como gosto muito da Sandra, fiquei com a certeza que com duas senhas de bar por ela cedidas (o que veio a acontecer) o assunto se resolveria! Chegados ao local, já algumas dezenas de almas abanavam o corpo, ao ritmo de um som mais “groove” que propriamente “pop”, antecipando o frenesim que , garanto-vos, veio a acontecer. A “casa” rapidamente se encheu! O ambiente fantástico, a companhia soberba, musica a “top”, bons “Dj´s”, muita “água” à mistura, a lembrar-me a “Papillon” ou (mais tarde) a “vatikano” . Tudo junto permitiu-me constatar dois fenómenos! Um agridoce: vestimos a idade que temos. Outro mais triste: o tempo voa quando estamos felizes. Quase cinco horas se passaram sem olhar para o relógio ou para o telemóvel. Mais: sem vontade de dali sair!
O que “por lá” depois se passou, desculpem, guardo para mim! Não por inveja que alguém roube! Mas pela certeza que há coisas, de puras, que devem emoldurar o coração em segredo. Valores como cumplicidade, fraternidade, camaradagem, apesar de fora de moda, nunca nos saem do sangue. Sementes que plantamos nesses verdes anos e agora colhemos como frutos. E isso, agora, é só meu!
Normalmente terminaria por aqui estas letras. Agradeceria o convite (que agradeço !) ao jovem casal e daria os Parabéns (que dou!) a quem organizou aquela “festa” , proporcionado-me intemporal momento! Mas não consigo. Porque o regresso trouxe com ele as letras!
A máquina do tempo, que nada mais é que a engrenagem das lembranças, fria, faz o seu trabalho. E imprime, ainda que não queira, que cresci!
Mesmo que, por minutos, volte a entrar nas latitudes daquela festa, acompanhado pelos amigos que escolhi, pela namorada que amo e hoje minha esposa, a ”curtir” como “chavalos” duas décadas fabulosas, tão belas de simples e puras, os “ossos” agora pesam. Pelo legado que neles carregamos.
Então escrevo : Estas viagens, nas asas do pensamento, causam “mossa”.
Ali, entre centenas de pessoas, com o corpo a ser percorrido por milhares de decibéis, pude a espaços cruzar-me comigo nessas eras. Muito mais magro, cabelos negros e sem óculos... Mas era eu. Mão no bolso esquerdo, vodka-martini na mão direita, num canto qualquer a observar a pista, a dar cabo da “mona” ao Disc-jockey exigindo , aos berros, “Joy Division”, U2, Já-fumega ou waterboys. O eu, que me completa e molda, sem os ossos do crescer. Se volto aquela sala é para, definitivamente, regressar a estes dias. Guardo o intante como “polaraid” e deixo-o ficar! A recordação de nada nos serve se não for capaz de atiçar aquela terna idade, de segurar nos olhos a luz desses dias em que nos apropriávamos de tudo, arrastando o mundo refletido na água. Para depois nos fazer sorrir.
É tarde! É tempo de voltar. De regressar para sulcar trincheiras! Para nelas saber quem connosco as habita. Então, completos, adultos, voltamos ao embalo, à espuma dos dias que nos alimentam com o doce travo a ninho, granito e a mar. E trauteamos em silêncio essa canção que guardamos bem no íntimo, como ossos e sangue, tatuando o infinito na carne. Afinal: A criação do mundo!
Crescer não é mau. Depende do modo como o escolhemos fazer! De o dizer, de o repetir! De aprender a rasgar os sinais que nos derrotam. De largar definitivamente o saco de pedras, inúteis, que carregamos nos ombros. De decorar as ausências. De dispor os versos, a presença, como água junto das raízes dessas plantas, tantas vezes famintas, que semeamos.
Então, sem remorsos, invocamos a memória! Mesmo quando esta se torna a mais rara, a mais bela, e a mais nostálgica das distâncias.
Paulo Santos
30 de Maio de 2024
Paulo Santos