Projeto vai apoiar pessoas com demência e seus cuidadores no domicílio
O Centro Social Nossa Senhora do Extremo, localizado na freguesia de Telões, no concelho de Vila Pouca de Aguiar, submeteu o projeto “Leve(mente) em Casa” à Fundação Calouste Gulbenkian que, após duas fases, foi aprovado pela instituição num total de cerca de 117 000 euros. Trata-se de uma iniciativa a iniciar em novembro, que pretende apoiar pessoas com demência e os respetivos cuidadores, no domicílio, com uma equipa multidisciplinar especializada.
Margarida Castela é Diretora de
Serviços do Lar Padre Manuel do Couto, instituição que integra o Centro Social
Nossa Senhora do Extremo – com Manuel Borges Machado como responsável – e Ana
Filipa Pinto é Diretora Técnica. Explicam que o título do projeto remete
precisamente para o fator que querem combater, ou retardar, a demência nos
utentes apoiados em Serviço de Apoio Domiciliário (SAD).
Devido a uma lacuna verificada, “este projeto surgiu daquilo que fomos vendo no terreno e da incidência, cada vez maior, das doenças neurodegenerativas”, clarifica Ana Filipa Pinto. Refere que os utentes do lar vão sendo acompanhados, contudo, “no domicílio muitas vezes as pessoas que estão em zonas isoladas, ou em situação de carência económica, não conseguem chegar a este tipo de cuidados e conseguimos perceber isso através do SAD”.
Candidatura ao apoio da
Fundação Calouste Gulbenkian
Foi através da equipa que
trabalha junto dos utentes, no SAD, que perceberam que havia “várias pessoas
que precisavam de algum tipo de apoio”. Razão pela qual submeteram a
candidatura à Gulbenkian Home Care, uma iniciativa que se baseia nas
“recomendações das Nações Unidas para a década do Envelhecimento Saudável
(2021/2030) e a desigual e assimétrica acessibilidade a cuidados para pessoas
idosas em Portugal”, refere a Fundação no seu site.
Avançam ainda que a Gulbenkian
Home Care tem como objetivo “fomentar a implementação de projetos de
proximidade que preservem as capacidades intrínsecas e funcionais das pessoas
idosas através de prestação de cuidados integrados, com planos individuais, prestados
em continuidade e por profissionais competentes, no respeito pelos direitos das
pessoas idosas, preferencialmente no seu contexto natural de vida, em casa e na
comunidade”.
Após duas fases de candidatura, o
projeto “Leve(mente) em Casa” foi aceite pela Fundação Calouste Gulbenkian e
será implementado em novembro de 2025, com uma previsão de duração de dois
anos. Para tal também contribuiu o facto de o Centro Social Nossa Senhora do
Extremos ser uma “entidade de referência a nível concelhio, distrital e
nacional, certificado com o Nível de Qualidade A, pelas normas ISSO 9000:2015 e
APCER [Associação Portuguesa de Certificação]”, afirmam as responsáveis. Nesta
linha, o Centro é reconhecido pela “qualidade dos serviços prestados
humanizados, individualizados, personalizados” uma vez que “atua com
transparência, coesão e rigor técnico”.
Acompanhamento de proximidade
O objetivo do projeto consiste no acompanhamento de proximidade, feito por uma equipa multidisciplinar e que, numa primeira abordagem, fará o diagnóstico do utente. Esta equipa será constituída por sete profissionais, envolvendo um psicólogo, um enfermeiro, um psicomotricista, um assistente de ação direta, um assistente social, um médico de medicina interna e um neurologista. “Depois deste diagnóstico feito mediante as necessidades, vamos acompanhar a pessoa”, diz Ana Filipa Pinto. Clarifica ainda que, neste processo, existem duas vertentes a seguir, a prevenção, e o diagnóstico de comprometimento cognitivo. No primeiro caso referem-se à “questão da prevenção do aparecimento de doenças neuro demenciais ou a tentativa de retardar o máximo possível aquilo que são as chamadas perdas normais e naturais do envelhecimento. Depois temos a parte do diagnóstico de comprometimento cognitivo”.
Nesta segunda fase, caso haja um
declínio cognitivo severo “temos o nosso médico a trabalhar connosco também, e
o objetivo é encaminhar esta pessoa para outro tipo de acompanhamento, ou seja,
acompanhamento direcionado para a estimulação cognitiva com mais proximidade
com o médico-neurologista que vamos ter futuramente a trabalhar connosco”.
Também a assistente social terá um papel preponderante visto que faz a
“mediação entre o utente e o Centro de Saúde, porque estamos a falar de utentes
que muitas vezes não têm o entendimento de perceber que se calhar a sua
situação não é normal”. Margarida Castela relembra que há “utentes que estão
sozinhos e que única companhia que muitas vezes têm são as meninas do apoio
domiciliário que vão lá e que dão este alerta”.
Inicialmente, o projeto
“Leve(mente) em Casa” irá começar com os 105 utentes do SAD, mas o objetivo é
alargar “aos cerca de 30 utentes em Refeitório e Cantina Social” e ainda a
“pessoas fora dos utentes domiciliários do concelho (…) que podem ser sinalizadas
por entidades como Juntas de Freguesia, Câmara, ação social ou outros parceiros
nossos”.
O trabalho das equipas nos
domicílios
Na prática, além do
acompanhamento, as várias valências da equipa multidisciplinar podem permitir
adaptações que levem à melhoria da vida dos utentes e familiares.
O psicólogo terá um papel de
estimulação cognitiva e sensorial e até de ajuste do tipo de comunicação que
deve ter com o utente com demência. Indica ainda o “tipo de comportamento em
que [o familiar] deve insistir ou o que não deve permitir”.
O especialista em
psicomotricidade, em conjunto com o enfermeiro, dará sugestões ao cuidador de
“como devem ser feitos os posicionamentos, como pegar no utente, ou virar, caso
seja um utente dependente”. Uma outra situação relembrada pelas responsáveis pelo
projeto é o caso de um utente que tenha sofrido um Acidente Vascular Cerebral
(AVC) e tenha ficado com uma paralisia de um dos lados do corpo. Nestes casos,
“é importante que o psicomotricista trabalhe com essa pessoa a capacidade de se
mover do lado em que está paralisado com uma bola, por exemplo, treinando a
mobilidade”.
Também a reorganização do espaço
da habitação é levada a cabo pela equipa, que pode recomendar mover um móvel
“porque impossibilita a passagem ou até um tapete que pode ser um obstáculo,
(…) e às vezes basta só desviar uma cama para tentar ganhar mais espaço, e até
a organização das fraldas e dos produtos de higiene para ser mais prático”.
Outra questão que acontece com
frequência e que cabe à equipa identificar é quando verificam que existem
pessoas “com perdas severas a nível cognitivo e que já não são as esperadas
para a idade”. E esclarece Ana Filipa Pinto que “com a idade é esperado que
tendo acabado de conhecer uma pessoa agora, me possa esquecer do nome dela
daqui a uma hora, mas não é esperado que, sendo essa pessoa a minha irmã, eu
não me lembre dela de lado nenhum”. Outros casos que sucedem neste seguimento é
quando o familiar coloca, por exemplo, “um termo de plástico a aquecer no
fogão, sabendo antes que não se podia fazer; ou deixa de tomar banho quando o
fazia todos os dias; ou se esquece do caminho até Vila Pouca; ou se esquece até
do nome e da cara da filha”. A Diretora Técnica frisa ainda que “a perda do
hábito, por esquecimento, é sempre um sinal de alerta”.
As consequências destas demências
levam a que percam a “capacidade de mobilidade, de comer” na qual a
especialidade de psicomotricidade vai dar “um grande apoio no esquecimento
daquela motricidade fina”.
Margarida Castela acrescenta que
para “quem já tem a doença, a ideia é retardar as consequências”.
Capacitar os cuidadores
Um outro propósito deste projeto
apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian é a formação aos cuidadores para que
possam, dentro do seu ambiente, cuidar do familiar com demência. “O cuidador,
como sabemos, é a pessoa que está mais exposta ao cuidado direto com o utente,
também no domicílio”, afirma Margarida Castela, evidenciado que “em casa é
sempre a mesma pessoa a tomar conta, dia e noite”.
Nas visitas domiciliárias, a
ideia é que, ficando a equipa com o utente, o cuidador tenha “aquele bocadinho
para ele, quer seja para sair, ir dar uma volta, apanhar ar ou, se tiver que
dar uma volta connosco, também iremos tentar fazer essa parte, ou seja, metade
da equipa fica com a pessoa doente e nós vamos tratar também do cuidador e
capacitá-lo”, clarifica a Diretora de Serviços Margarida Castela. Desta forma,
são-lhes fornecidos “equipamentos e ferramentas para trabalhar, (…) como
posicionamentos ou como lidar com alguém com demência”.
O suporte psicológico destes
cuidadores também é tido em conta pois, diz a Diretora Técnica Ana Filipa
Pinto, “sabemos que o cuidador está muito exposto ao burnout, ao esgotamento, à
sintomatologia depressiva, ansiosa, e o objetivo é fazer também este acompanhamento
para promover alguma qualidade de vida a quem está a cuidar que, muitas vezes,
está na mesma faixa etária já idosa”. Ainda neste âmbito, Ana Filipa Pinto dá
conta de uma outra situação relativa aos cuidadores. “Quando existe uma rotina
que é difícil e pesada, muitas vezes pode potenciar o aparecimento [de doenças
mentais]. Não é condição, mas é sempre um fator de risco, pelo que também vamos
trabalhar com o cuidador, no sentido de prevenir este tipo de perdas, e de
prevalência da demência, porque já existe histórico, já existe a parte
hereditária e se calhar existe o fator contextual, que também é um fator de
risco”.
Confiança no trabalho do SAD
será fundamental para o projeto
As responsáveis pelo projeto
“Leve(mente) em Casa” vão canalizar confiança atual que os utentes têm nas
assistentes de ação direta que já fazem o SAD, e que irão também integrar a
nova equipa, para que a habituação seja confortável e gradual. “A experiência
no terreno já é muita, já têm bastante confiança na equipa que entra em casa
todos os dias. Temos casos em que vamos
lá três a quatro vezes por dia, portanto, o apoio domiciliário já não é só
levar e trazer comida, já é um serviço personalizado e ajustado às necessidades
dos nossos utentes”. É com esta premissa na “confiança e apoio que damos” que
acreditam que se vai tornar “mais fácil [implementar o projeto] uma vez que já
o fazemos, e vamos agora entrar numa parte mais específica, que é a doença mental”.
Maior incidência de doenças
mentais em pessoas mais novas
Ao longo dos quase 20 anos de
experiência no terreno por parte das equipas do SAD do Centro Social, que
iniciou em 2006 com 20 utentes, abrangendo agora 105, têm vindo a notar que as
doenças mentais têm tido mais prevalência, “mesmo em pessoas muito novas (…)
nós temos agora dois utentes com 68 anos, são muito novos”. A título de
exemplo, embora seja alocado ao lar e não ao SAD, mencionam um outro caso,
incluído nas vagas hospitalares de que dispõem, em que têm “uma senhora que
ainda não tem 50 anos e está com uma demência já bastante avançada”.
Financiamento do projeto
A Fundação Calouste Gulbenkian,
através da iniciativa Gulbenkian Home Care vai financiar o projeto “Leve(mente)
em Casa” em 117 212,49 euros. O Centro Social Nossa Senhora do Extremo vai
comparticipar com 63 908,00€, perfazendo um valor global de 181 120,49 euros
para o projeto, com a duração de dois anos.
Em relação à continuidade do
projeto após os dois anos, as responsáveis referem que “se houver
financiamento, o objetivo é prolongarmos no tempo”.
Ângela Vermelho
Fotos: Centro Social N. S.
Extremo
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12/08/2025
Sociedade
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