Parlamento aprova voto de homenagem à população de Cambedo da Raia

Voto de homenagem surge após ter sido entregue na Assembleia da República uma petição pública que exigia o resgate da memória de antifascistas de Cambedo da Raia.

O parlamento aprovou por unanimidade na quinta-feira, 11 de janeiro, um voto de homenagem à população da aldeia de Cambedo da Raia, na freguesia de Vilarelho da Raia, concelho de Chaves, pela “solidariedade, altruísmo e coragem” no acolhimento de refugiados do regime franquista e pelo “heroísmo” na operação militar de dezembro de 1946.

A aldeia de Cambedo da Raia foi cercada e bombardeada com morteiros na madrugada de 21 de dezembro de 1946 pela GNR (Guarda Nacional Republicana), o Exército, a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) e a Guarda Civil espanhola, por terem acolhido refugiados e guerrilheiros espanhóis, numa operação militar levada a cabo pelas “ditaduras fascistas ibéricas, que envolveu mais de 1.000 agentes de ambos os países”. Segundo os promotores da petição, que deu origem a este voto de congratulação, “noutras aldeias de Chaves (Nantes, Castanheira, Sanjurge, Couto), foram presos outros presumidos implicados no apoio aos guerrilheiros ‘rojos’ ”.

No projeto de voto de congratulação, de 10 de janeiro, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é recordado que “os anos de 1936 e 1939, em Espanha, seguintes à Guerra Civil, foram anos de avanço para as forças franquistas e dos seus aliados fascistas italianos e alemães, de um lado, e de denúncias, perseguições, torturas e fuzilamentos sumários dos que haviam apoiado a República, do outro”.

“Fugindo a tal regime de terror e à miséria, milhares de refugiados – os fuxidos – buscaram abrigo na Galiza, nas Astúrias e nas localidades da fronteira luso-espanhola, do lado português da raia, desde Caminha até Vila Real de Santo António”, lê-se no texto.

No mesmo documento é lembrado que os “criminosos à luz das ditaduras vigentes, os fuxidos ali instalados e integrados foram objeto de uma operação militar, na noite de 20 para 21 de dezembro de 1946, concertada entre os dois países, brutal e desproporcionada, que contou com mais de 1.000 agentes portugueses e espanhóis. Houve mortos, feridos, detidos, acusados; famílias destroçadas e economias agrícolas devastadas”.

O projeto refere ainda que se seguiu, “por décadas, para a brava população de Cambedo da Raia, o manto de silêncio que as ditaduras impõem aos que vetam à infâmia”. Os deputados consideram “imperioso corrigir a ausência de reconhecimento e de homenagem a esta população e aos seus descendentes”.

O parlamento presta assim homenagem à população de Cambedo da Raia, congratulando-a “pela solidariedade, altruísmo e coragem no acolhimento aos fuxidos do regime franquista, homenageando a memória, o Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias heroísmo e o sofrimento de todos aqueles que por conta dessa postura solidária foram de algum modo vítimas da trágica operação militar levada a cabo pelas polícias espanhola e portuguesa na noite de 20 para 21 de dezembro de 1946, e dos seus familiares.

Este voto teve origem numa petição entregue por uma Comissão Promotora, a 28 de novembro, na Assembleia da República, assinada por 2.129 cidadãos. A petição pública “Cambedo da Raia e o pós-guerra civil espanhola - os trágicos acontecimentos de dezembro de 1946 e o processo da PIDE nº 917/46 - Pelo direito à memória e ao ressarcimento” exigia que no contexto da comemoração dos 50 anos da Revolução de Abril, que serão assinalados este ano, fosse aprovado uma resolução de “reconhecimento público de homenagem à comunidade cambedense, em especial ao seu direito à memória dos que tendo sido testemunhas da tragédia, já faleceram sem nunca terem sentido qualquer atenção do Estado Democrático”.

A Comissão Promotora da petição é constituída pelas Associações Desportiva, Cultural e Recreativa de Cambedo da Raia e de Vilarelho da Raia, Junta de Freguesia de Vilarelho da Raia, membros da comunidade cambedense e seus familiares, investigadores/historiadores e Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória (NAM). A iniciativa foi também apoiada pelas entidades coletivas: Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, Sindicato dos Professores do Norte, Movimento de Intervenção e Cidadania do Porto, Associação dos Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal, UNICEPE- Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto (CRL), URAP – União de Resistentes Antifascistas Portugueses e Museu do Aljube.

Em 1996, por iniciativa de Carlos Silva (Centro Cultural de Vilarelho da Raia) e de Martinez-Risco Daviña (Santiago de Compostela) foi colocada uma lápide evocativa no local onde a raia dividia a aldeia (a capela). Em 2004, António Loja Neves e José Alves Pereira, realizadores, apresentaram em Ourense a primeira versão desse eloquente filme testemunhal intitulado significativamente “O Silêncio”.


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12/01/2024 Jornalista: Sara Esteves Repórter de imagem: DR Foto: Adrián Estévez

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