No âmbito de um projeto-piloto
concebido por Teresa Gonçalves, Engenheira Agronómica e Presidente da Comissão
de Fiscalização da Comunidade Local dos Baldios de Souto e Outeiro, deu-se
início à plantação simbólica numa área ardida na aldeia de Souto, que culminará
em três hectares plantados numa ação “de particular importância ecológica,
territorial e estratégica”, indica esta Comunidade Local.
“Temos que fazer alguma coisa por estas terras”
Para Teresa Gonçalves, a ideia
surgiu pela “ausência de árvores e vegetação que tínhamos à nossa volta”, uma
vez que olhou para a envolvência e tomou a decisão de “fazer alguma coisa, tem
que haver um projeto pensado de forma séria”. Na prática, além da plantação de
árvores autóctones também foi projetada uma vedação para o projeto “conseguir
sobreviver e para que as árvores cresçam e consigamos ter floresta outra vez”.
O projeto, pensado desde o início de setembro, tem de ser vedado porque,
explica Teresa Gonçalves, “no nosso baldio temos carga de pastoreio, com
ovelhas e vacas e, nesta fase inicial, nos primeiros três a quatro anos, têm
que ser protegidas, só o protetor individual não é suficiente, porque os
animais vão estragar ou comer a própria plantação que for lá colocada, pelo que
esta proteção serve para contenção ao pastoreio”.
Uma outra vantagem deste projeto-piloto
é o facto de fazer com que a “natureza possa crescer de uma forma mais natural,
e conseguirmos também ter um estudo de caso do que é que vai acontecer e que,
de hoje para amanhã, se possa replicar e que possamos, daqui por uns cinco ou
seis anos, retirar esta vedação, avançá-la para a frente e ir replicando pelo
baldio acima, se for viável, e se entendermos que está a correr bem”.
Também a proteção da própria
aldeia contra incêndios é um dos objetivos do projeto-piloto, uma vez que,
relembra a responsável, “temos um bairro urbano nesta aldeia que, até há uns
anos, tinha pinhal, mas agora está despido à volta devido aos sucessivos incêndios
que foram acabando com as árvores”. Desta forma, perceberam que “a faixa de
contenção de gestão de combustíveis tem que existir, mas tendo um vizinho de
uma zona urbana com carvalhos ou nogueiras, é muito diferente de termos
pinheiro, e entendemos que deveria ser esse tipo de plantação a ser colocada e também
para proteção da zona urbana do bairro e da aldeia”, remata Teresa Gonçalves.
“Foi um projeto conjunto e de equipa”, refere a Engenheira Agronómica,
referindo-se à sinergia criada com as várias entidades, como o Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que cedeu 2.000 árvores, uma
vez que “partilhou da mesma visão e conseguimos desenvolver o projeto” que foi
levado a assembleia e que teve “aceitação unânime”, frisa.
A partir daí, diz a Engenheira Agronómica, “começaram a aparecer
parceiros e começou a desenvolver-se uma simbiose entre todos”.
A execução do projeto contou
assim com a colaboração do ICNF, representado na atividade pelos Engenheiros
José Rosa, Mónia Ferreira e Ricardo Saldanha. José Rosa é chefe de divisão de
Gestão Florestal do Norte e Interior do ICNF e explica as especificidades
técnicas do projeto. “Cada vez mais vamos percebendo que fazer floresta ou
contribuir para que a natureza possa fazer renascer espaços florestais, implica
alguma ação da nossa parte, no sentido de a composição dessa floresta ser a
composição adequada à prevenção dos riscos inerentes aos espaços florestais, em
particular a questão dos fogos”.
José Rosa realça que não basta
criar “redes de defesa e faixas de gestão de combustíveis, apesar da importância
que elas têm, mas temos também que encontrar formas de ocupação florestal,
modelos de gestão florestal, que também eles próprios sejam mais resilientes”.
O representante do ICNF acredita que “temos que produzir valor, ou seja, produzir
floresta e tem que ser uma floresta adequada ao espaço onde ela acontece e, ela
própria, ter resiliência em relação ao fogo e à segurança daqueles que habitam
dentro do espaço florestal ou nas imediações do espaço florestal, como é o caso
aqui de Souto”.
Quanto às espécies a
plantar, José Rosa adianta que o espaço “vai ser arborizado com espécies
autóctones, carvalhos da espécie que existe aqui, que é o Quercus Pyrenaica, ou o carvalho negral, que é a espécie nativa
deste território e que também ela pode contribuir para evitar que o fogo
percorra estes territórios livremente, em conjunto com outras espécies de zonas
de linha de água e de zonas mais frescas, como as que temos neste ambiente aqui”.
José Rosa refere também
o trabalho em equipa realizado com as várias entidades envolvidas para levar a
cabo o projeto. “Este envolvimento do ICNF com o território e com a gestão do
território é absolutamente crítico e fundamental para que possa haver esta agilização.
Todos juntos somos mais, somos melhores”, conclui.
“Assumimos plenamente que a floresta é vida”
José Luís Teixeira, Vice-Presidente
da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar com o pelouro do Desenvolvimento
Rural, Agricultura e Florestas, adianta que o projeto piloto é “de uma
relevância extrema”. Refere haver “uma preocupação por estarmos a perder o
espaço florestal com todos os incêndios que são um perigo enorme e que têm
estado a estragar muito a nossa floresta e a nossa identidade”.
O autarca afirma que este tipo de iniciativas
permite que haja “alguma recuperação” e que “embora seja quase um campo de
ensaio” acredita que “corra bem e que seja replicado, porque é bastante
importante conseguirmos começar a recuperar a nossa floresta, ter mais
investimento e também criarmos mais riqueza no espaço florestal”.
O Vice-Presidente do município sublinha ainda
que se deve “pensar na floresta como um conjunto de ecossistemas, no qual é
muito importante criarmos mosaicos. Cada vez mais, após os incêndios, ficamos
com uma regeneração natural única, representada só por duas ou três espécies,
os pinos ou os cistos, e depois o que vai acontecer é que as outras plantas, as
nossas autóctones, têm mais dificuldade em sobreviver devido à competição pelo
sol e pela luz”. Desta forma, foi com agrado que receberam a proposta da
Comunidade Local dos Baldios de Souto e Outeiro, na qual “fizemos todo o gosto
em participar”, diz José Luís Teixeira.
“É sempre importante ter estas
iniciativas” pois os incêndios do ano passado, “dizimaram estas áreas aqui na
freguesia”, salienta Luís Sousa, Presidente da Junta de Freguesia de Telões, à
qual pertence a aldeia de Souto. Ressalva que a atividade serve para “proteger
as populações e as áreas junto às aldeias, e é muito importante a plantação de
folhosas, que é para combater e proteger melhor contra os incêndios”. Vê muito
potencial na área selecionada e na zona envolvente, uma vez que “é uma zona
muito bonita, tem uma linha de água, um espaço amplo, que é para as pessoas também
desfrutarem em lazer”.
Numa visão mais geral, também é
esta a ideia, de proteger e criar espaços de lazer, que Mário Pinto, Presidente
da Comunidade Local dos Baldios de Souto e Outeiro, quis seguir ao apresentar o
projeto-piloto. Também mencionou o facto de os incêndios terem “dizimado tudo”
e chegado muito perto da aldeia, e relembra que “todas as plantações que já
fizemos, arderam todas”. Dada a situação, pretendem “ir fazendo pequenos
bosquetes para termos árvores junto às aldeias e para as proteger porque a
plantação vai ser de folhosas que, pela experiência que temos tido, não ardem
nem deixam crescer tanto o mato”.
Mário Pinto também vê neste
projeto-piloto outro propósito. “É uma proteção às aldeias também no inverno
porque as árvores protegem muito contra os ventos e as chuvas. No verão, a
sombra também ajuda a que não haja tanto calor, porque ao termos mais árvores,
as temperaturas não ficam tão elevadas”.
A história e o papel das comunidades locais de baldios
Armando Carvalho,
Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação Nacional dos Baldios
(BALADI) contextualizou a história das comunidades locais de baldios ao
Notícias de Aguiar. “Falar nos baldios é falar da nossa história, de há milhares
de anos, e de uma área com potencial e com recursos muito importantes para o
desenvolvimento das comunidades locais”. Segundo explica, o movimento dos baldios
“teve a sua expressão logo a seguir ao 25 de Abril, que devolveu os baldios às
comunidades locais porque, em 1940, a ditadura da altura retirou estes baldios
das comunidades locais e criou um problema complicado, com a desertificação e a
imigração”.
Foi então após o
25 de Abril, já com a devolução dos baldios às comunidades locais, que estas se
começaram a organizar e a “estruturar na base da primeira lei dos baldios, a
lei 39/76, e que [desde então] está a conseguir-se um trabalho absolutamente
notável”. Armando Carvalho lamenta, no entanto, o parco papel das políticas
públicas. “Há uma componente importante da comunidade local na economia que é
gerada através dos recursos, seja resina, madeira, energia eólica, ou aquilo
que está a ser explorado, mas depois há a outra componente que está a faltar, a
componente pública, que são as políticas públicas e que são o travejamento dos
elementos das comunidades locais”.
O Presidente da
Assembleia da BALADI refere ainda que em 2019 “conseguimos negociar com o Governo
um contrato-programa para dar apoio às comunidades locais, onde se apresentou
aqui, em Vila Pouca de Aguiar, o Primeiro-Ministro e foi o lançamento desse
programa. Estamos agora numa segunda fase, na criação de mais agrupamentos de baldios”.
Para Armando Carvalho, os agrupamentos de baldios têm como objetivo “juntar as comunidades
locais e criar condições técnicas para poder potenciar todos os recursos que os
baldios têm” e, para tal, é importante a trilogia “Comunidade, Câmaras e ICNF”,
reforça.
Um outro apoio
fundamental indicado por Teresa Gonçalves foi o da Associação das Mulheres
Agricultoras e Rurais Portuguesas (MARP), que faz parte da Confederação
Nacional da Agricultura (CNA) e que se fez representar por Berta Santos, Presidente
da Direção. A MARP é “uma associação ligada às mulheres, às populações, ao
território e que, durante estes 25 anos, sempre esteve na linha da frente, na
defesa dos baldios, acompanhando o trabalho das comunidades e dos compartes, porque
os baldios sempre foram territórios muito importantes para os povos serranos”.
Num paralelo com os dias de hoje, Berta Santos acredita que se reveste “de uma
importância ainda maior, devido a uma desertificação muito grande do interior e
do meio rural e, cada vez mais, assolados por esta falta de pessoas no próprio
mundo rural e somos ainda assolados com estes grandes incêndios”. Salienta o
apoio da associação ao projeto-piloto, mas a Presidente da MARP vai mais além e
ressalva outro fator que se tem vindo a revelar. “Temos tido muitas mulheres com
cargos nos baldios, mas queria valorizar o Baldio de Souto e Outeiro e este
projeto que foi concebido por uma mulher também, a Engenheira Teresa Gonçalves,
e que gostaria de deixar aqui um sinal a esta situação”.
Para a concretização do projeto-piloto, houve mais parceiros envolvidos
como o Secretariado dos Baldios de Trás-os-Montes e Alto Douro (SBTMAD) na
pessoa do Engenheiro Daniel Serralheiro, a Associação do Agrupamento de Baldios
de Terras de Aguiar (AGBATA) com o seu Presidente António Gonçalves, o
Agrupamento dos Baldios de Serras de Aguiar (ABSA), a AguiarFloresta com o
Engenheiro Duarte Marques, o Viveiro Seis Troncos na pessoa de Carlos Gonçalves
e os Bombeiros de Vila Pouca de Aguiar.
Texto: Ângela Vermelho
Fotos: Ângela Vermelho, Ângela Catarina Monteiro e SBTMAD