Projeto procura melhorar competências de literacia digital nos idosos e aumentar a escolaridade

É numa sala do Centro Social e Cultural de Vilarelho da Raia, a cerca de 18 quilómetros de Chaves, que cerca de 15 idosos estão a aprender a utilizar o computador. A formação é ministrada por uma professora que tenta demonstrar que a informática está ao alcance de todos.

Eduardo Domingos fixa atentamente no ecrã que tem à sua frente. Aos 74 anos usa o computador pela primeira vez. Apesar de considerar “difícil”, é com as mãos bem abertas sob o teclado que escreve o seu primeiro e último nome sem dificuldade.

É um dos formandos que terminou na quarta-feira, 17 de julho, a primeira fase do curso de formação em Literacia Digital. Uma iniciativa inserida no Projeto Local Promotor de Qualificação (PLPQ), financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que procura melhorar competências de literacia digital e diminuir o número de pessoas sem escolaridade obrigatória.

“Este é um projeto enquadrado dentro do Centro Qualifica que prevê aumentar a escolaridade e as qualificações profissionais”, disse João Regino da empresa que assegura a formação.

O projeto resulta de um protocolo com a Junta de Freguesia de Vilarelho da Raia e abrange, de acordo com João Regino, pessoas com mais de 18 anos e em qualquer situação profissional, desde reformados e empregados ativos. “Só tem acesso a este programa, pessoas com escolaridade inferior ao 9.º ano”, uma vez que, “o grande objetivo é diminuir o número de pessoas sem escolaridade obrigatória”, salientou.

O modelo de implementação dos Projetos Locais Promotores de Qualificações de Nível Básico assenta numa lógica de trabalho em parceria entre a rede de Centros Qualifica atualmente existente no país e diversas entidades de base local, tais como entidades formadoras, instituições empregadoras, municípios e outras organizações e serviços comunitários, tais como, bibliotecas, coletividades ou associações promotoras de cursos de alfabetização de adultos.

AUTARCA DA FREGUESIA É UM DOS FORMANDOS

Fernando de Jesus é presidente da Junta de Freguesia de Vilarelho da Raia, mas há perto de um mês que, pelo menos uma vez por semana, ’muda’ de secretária. Da sede da junta desloca-se até ao Centro Social e Cultural da freguesia para melhorar competências de literacia digital.

“Uma vez que o nosso Governo está a fazer esses esforços, acho que não se pode deixar passar uma oportunidade destas. É muito importante. Seria um contrassenso não aderir a este projeto”, diz o autarca da freguesia de 74 anos.

Reformado, Fernando de Jesus foi eleito presidente da Junta de Freguesia de Vilarelho da Raia nas últimas eleições autárquicas, pelo Partido Socialista. Assume o cargo desde 2021 e admite que a transformação digital também se verifica na administração pública.

“Hoje não fazemos nada sem o digital. O digital está em todos os lados. Embora não esteja muito avançado nessa parte, escolhi pessoas preparadas para esses cargos, caso contrário não teria como governar”, afirma.

Desde que frequenta esta formação já aprendeu “algumas coisas”. Enquanto empresário diz nunca ter precisado do computador. “Nunca tive prática porque tinha quem me fizesse tudo e, portanto, fui protelando. Estou a aprender agora”.

Numa mesa ao lado, Inês Queirós de 71 anos diz que em casa “sempre existiu computador”, mas nunca deu grande atenção. “Os meus filhos sempre trabalharam com computadores, mas eu sempre me dediquei mais às lides domésticas e nunca dei muita atenção ao computador. No entanto, agora como há mais disponibilidade e como a vida é uma lição, e é sempre bom aprender, decidi vir”, apontou esta habitante de Vilarelho da Raia.

Para falar com os filhos usa o telemóvel, o “WhatsApp e o Messenger”, diz. Sobre como usar o computador está a aprender agora “o básico”.

“Aprendi o básico: abrir um computador, procurar as letras maiúsculas e minúsculas e fazer algumas coisas. Quando o curso terminar, e se houver uma próxima oportunidade, devemos continuar”, diz esta formanda que frequenta a formação de quatro horas com o marido.

Alexandra Vilabril já frequentou outra formação em informática, mas como não praticou esqueceu alguns conhecimentos que tinha adquirido.  “Quando me falaram deste curso, inscrevi-me imediatamente. Já aprendi a ligar e desligar o computador, a ir ao Word, Paint, já escrevemos uma carta, já sabemos por a negrito, sublinhar assim umas ‘coisinhas’. Antigamente os nossos avós eram os analfabetos, porque não tinham ido à escola, agora somos nós porque não sabemos usar estas coisas da nova tecnologia”, diz esta formanda de 69 anos.

Há sete anos que Alice Cunha regressou à aldeia. Vivia nos Estados Unidos da América com o marido onde tinha uma empresa de limpeza e um restaurante de cozinha italiana. “Estava sempre ocupada, nunca tinha tempo para o computador. Era só o telemóvel”, diz. Reformada, ocupa uma parte do tempo com esta formação. “Aprendi a ligar e a desligar o computador, a ir ver fotos, Youtube, e coisas assim e escrever que já fizemos aqui uma carta”, diz sob o olhar atento da neta que também regressou à aldeia por definitivo.

Estes são alguns testemunhos de quem tem passado ao lado das qualificações, mas tem força de vontade para contrariar o ‘bicho’ de sete cabeças do digital.

Os Projetos Locais Promotores de Qualificação (PLPQ) fazem parte de uma iniciativa governamental que tem por objetivo aumentar, até 2025, as qualificações da população adulta que ainda se encontra nos níveis B1/B2/B3, de modo a concretizar o Plano Nacional de Literacia de Adultos.


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23/07/2024 Jornalista: Sara Esteves Fotos: Diogo Batista

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